20 de Fevereiro de 1942 – A Ocupação Japonesa de Timor


"The Sydney Morning Herald", Sábado 21 de Fevereiro de 1942 - National Library of Australia

A ocupação japonesa de Timor não foi na realidade a primeira ocupação no cenário da Segunda Guerra Mundial. Quando a força de invasão liderada pelo Coronel Sadashichi Doi chega à ilha, na noite de 19 para 20 de Fevereiro, já o lado oriental, então sob domínio português, se encontra ocupado pelas forças aliadas constituídas, no caso, por tropas holandesas — maioritariamente originárias das Índias Orientais — e australianas. Como veremos adiante com mais detalhe, é grande o receio entre os Aliados de uma acção militar japonesa contra Timor e por isso Inglaterra, Austrália e o Governo Holandês em Batávia, insistem para que Portugal aceite uma ajuda militar preventiva no território. É uma oferta que o governo de Salazar não pode aceitar uma vez que seria imediatamente entendida pelo Japão, que em Setembro de 1940 assinara o Pacto Tripartido com a Alemanha e Itália, como uma quebra da política oficial de neutralidade portuguesa. Após um processo cheio de malentendidos, fica assente que tal ajuda só seria dada caso o Japão atentasse efectivamente contra a soberania de Timor, no âmbito da Aliança Luso-Britânica e após pedido expresso por parte de Portugal. Isso mesmo viria a ser reafirmado em telegrama do Subsecretário de Estado das Colónias para o Governador Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho na própria manhã da ocupação australiana e holandesa. Mas recuemos um pouco para analisar alguns antecedentes.

A política expansionista do Japão à época, em direcção ao sul, ameaça directamente as Índias Orientais — as possessões holandesas correspondentes ao que é hoje a Indonésia — e até a própria Austrália, podendo Timor servir de trampolim. Em 1937 a Nanyo Kohatsu Kabushiki Kaisha, uma companhia dedicada a promover os interesses económicos japoneses a operar a partir da Micronésia, e a Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho, de Timor, oficializam uma parceria para a exploração de alguns dos principais recursos agrícolas da ilha (café, borracha ou cacau entre outros). No mesmo ano, a companhia aérea australiana Qantas manifesta pela primeira vez o desejo de estabelecer uma linha aérea com ligação a Dili. São os primeiros passos numa guerra comercial entre o Japão e os interesses australianos e holandeses que leva à competição não só por recursos naturais, mas também por licenças de exploração de linhas aéreas na sua maioria sem qualquer significado comercial. É ainda nessa mesma altura que se adensa o conflito entre Japão e China. O respeito pela integridade do território português de Macau é usado pelos japoneses como forma de pressão para a obtenção de facilidades nos acordos. Por trás do biombo da guerra comercial, australianos e japoneses controlam-se mutuamente, mapeiam a ilha, elaboram relatórios que enviam para os respectivos governos.

The Evening Post, 19 de Dezembro de 1941

Como já atrás foi referido, caso houvesse movimentação de forças japonesas na região era opinião de australianos e holandeses que Timor deveria ser ocupada por contingentes aliados. Também uma possível invasão de Portugal pela Alemanha seria considerada motivo suficiente para uma tal decisão. É possível que o Governo Australiano estivesse convencido de que uma entrada do Japão num cenário de guerra no Pacífico se desse através de um ataque às Índias Orientais ou ao Timor português. Essa entrada fez-se no entanto de forma bem mais estrondosa com o ataque à base americana de Pearl Harbour a 7 de Dezembro de 1941. Dez dias dias depois, às 8h00 da manhã, o Governador de Timor recebia na sua residência em Dili o Cônsul Britânico — um australiano de nome David Ross — e dois tenentes-coronéis, um holandês e um australiano. Vinham solicitar por uma última vez um pedido de ajuda por parte do Governo da Colónia. Cumprindo as directivas do Governo da Metrópole, Ferreira de Carvalho viu-se de novo obrigado a declinar a oferta e a solicitação revelou-se de facto um ultimato. As forças australianas e holandesas entrariam ainda essa manhã em Timor fosse ou não pedida ajuda. Oficialmente, a soberania portuguesa seria mantida. O Governador ainda se reúne com os oficiais de mais elevada patente em serviço na colónia com o objectivo de analisar a situação e a possibilidade de oposição ao que era considerado uma agressão militar. Foi no entanto unânime a decisão de não oferecer resistência por esta ser impossível e inútil para a defesa do território. A resposta limitar-se-ía a um protesto.

Após intensas negociações diplomáticas, o Governo Português ainda chega a acordo com a Inglaterra para que as tropas aliadas no território sejam substituídas por uma força portuguesa. Viria de Moçambique e encarregar-se-ía de tratar da defesa de Timor em caso de ataque japonês. O navio João Belo, transportando a dita força, parte de facto de Moçambique mas nunca chegará a Timor a tempo de proceder ao acordado.

A 20 de Fevereiro de 1942, alegando motivos de auto-defesa, o Japão ocupa oficialmente a ilha de Timor. A entrada no então território português faz-se pela baía de Dili  e a resistência das baterias na praia é breve. O Coronel Van Straten, comandante das forças aliadas, e parte das tropas das Índias Holandesas partem em direcção à fronteira com o lado ocidental da ilha. A única resistência militar aliada operacional passa a ser a da Companhia Independente 2/2 australiana, um grupo de comandos que, logo após o desembarque das forças aliadas em 17 de Dezembro, se dirigira para o interior para as montanhas em redor de Dili. À semelhança dos aliados, as autoridades japonesas fazem saber às autoridades portuguesas que, caso Portugal mantivesse a sua política de neutralidade, respeitariam a soberania portuguesa e retirariam do território mal tivessem cumprido os seus objectivos de auto-defesa. Tal não viria a acontecer. A evidente simpatia de grande parte das populações timorense e portuguesa para com os australianos, aliada à correspondente antipatia pelos soldados e oficiais japoneses, serviu em grande medida como pretexto para, até ao fim da guerra, o Japão nunca cumprir a promessa de deixar Timor Oriental.

A polémica persiste ainda hoje sobre se o Japão teria invadido Timor Oriental caso os Aliados nunca o tivessem feito. Sendo compreensível o medo, por parte de australianos e holandeses, de que o Japão o fizesse, não deixa também de ser verdade que a neutralidade portuguesa de certa forma servia os interesses do Eixo. Uma acção japonesa contra Timor colocaria, por certo, Portugal do lado das nações aliadas com o que isso implicaria não só na área do Pacífico mas também na Europa. Para além disso, documentos diplomáticos japoneses citados pelo Prof. Ken’ichi Goto na sua obra Tensions of Empire 1, mostram um Governo do Japão dividido entre uma ala que pretendia conservar intactas as relações diplomáticas com Portugal e da qual fazia parte o Ministro dos Negócios Estrangeiros Shigenori Togo e uma outra, constituída fundamentalmente por militares, que defendia a invasão da ilha. Teria a ala moderada levado a melhor caso australianos e holandeses não tivessem ocupado o território? É talvez uma dúvida impossível de esclarecer. Para a história fica o que veio a revelar-se como um acontecimento trágico para a população da ilha de Timor.

1 – GOTO, Ken’ichi Tensions of Empire – Japan and Southeast Asia in the Colonial & Postcolonial World, Ed. Ohio University Press, 2003

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